Como dar nomes a animais
que ninguém quer? Que ninguém quer o que alguns quiseram e depois rejeitam?
Como dar nome a quem não quer um animal, que acolheu em sua casa? Como dar um
nome a quem quer abandona???
O Rafeiro era ou ainda é o
cão que ninguém queria. Em primeiro lugar foi querido e acolhido, mas com o
passar do tempo, e como tantas vezes acontece, as circunstâncias mudaram o rumo
da vida dele. O Rafeiro passava de querido a indesejado. Em cada casa por onde
passou havia sempre alguém que o queria, mas também havia alguém que o que mais
queria era ver-se livre dele.
Ter um animal em casa dá
despesa e trabalho, o animal também requer atenção e alguns cuidados, o que
leva a que muitas pessoas ao fim de pouco tempo fiquem fartas e cansadas.
A Joana, a Carolina e a
Laura moravam numa casa alugada há á alguns anos. Um dia a Joana saiu para ir
morar na sua nova casa, formar a sua própria família.
A Carolina e a Laura devem
ter sentido mesmo muitas saudades da Joana! Quando alguém sai deixa inevitavelmente
um espaço vazio! Terá sido no intuito de preencher esse espaço vazio, que
decidiram levar um animal lá para casa. A escolha ou o mero acaso recaiu no
Rafeiro, um bonito cão branco, ainda muito bebé.
O Rafeiro era um cão muito
especial, muito selvagem. Talvez ele não tenha mesmo nascido para cão de
apartamento. Por onde passava deixava sempre a sua marca, a marca do arranhão e
da destruição. Mas com as pessoas até era um cão muito meigo, carente de companhia
e de festinhas.
A Carolina que tanta
questão fez em ter o Rafeiro, ela mesma o foi buscar e levou lá para casa,
depressa se cansou dele, depressa se quis ver livre dele, depressa se quis
descartar. A culpada de toda essa pressa foi a tosse providencial livra-se do
cão era bem mais fácil do que livrar-se do tabaco. Culpar o cão pela tosse é
mais simples do que culpar o tabaco. Mas aquela tosse não se ia embora, quem
tinha de ir embora era mesmo o Rafeiro. Ele tinha de ir! Ir para onde? Ir para
quem? Pela Carolina iria de qualquer jeito, mas para a Laura não era assim tão
simples. Para a Laura o Rafeiro não podia ser abandonado à sua sorte.
Candidatos a futuros donos do Rafeiro não havia. Ninguém podia, ninguém queria
ficar com ele. A Laura estava triste!
Não porque gostasse de ter
animais lá em casa, não porque gostasse particularmente do Rafeiro, mas porque
não queria ver a irmã triste, a Mariana dispôs-se a ficar com o cão. Tentou ver
o lado bom da questão, a irmã já não ficava triste e isso também agradaria ao
seu filho João, que há muito lhe pedia para ter um cão lá em casa.
A Laura tratou de arranjar
transporte e lá veio o Rafeiro do norte para o sul.
O Rafeiro foi recebido pela
nova “família”. Mas estaria o Rafeiro feliz com a nova “família”?O João ficou
muito contente por finamente ter um cão, como ele tanto queria. Mas querer só
não basta. Ter um animal em casa é muito giro, mas cuidar dele, limpar o que
ele suja, dar-lhe comida, fazer-lhe companhia, os outros que façam. Os outros
que façam. Limpar a caixa do bicho, dar-lhe comida, estar com ele, ir passear
com ele, não eram tarefas que dissessem respeito ao João. Ver televisão é
sempre mais aliciante do que cuidar de um “chato chato.”
Como já disse, este era um
cão muito especial, um cão muito selvagem, um cão muito carente de liberdade.
Mas ao mesmo tempo carente de carinho e da presença humana. Ele não gostava
mesmo de viver em casa, não gostava nada de ficar fechado, o dia inteiro
sozinho. Quando a Mariana chegava e abria a janela, a primeira coisa que o
Rafeiro fazia era saltar para a janela aberta e olhar lá para fora, para seguir
com olhar feroz o voo dos pássaros, um olhar desafiador para os outros cães que
lhe ladravam da rua. Uma bela manhã a Mariana ouvi-o a ladrar tanto, um ladrar
desesperado ou de raiva, que acho estranho, era um ladrar de zangado,
revoltado, de protesto, ou ameaçador, um ladrar que era indescritível. A
Mariana correu para ver o que é que se passava com o cão. E lá estava ele
pendurado na janela, muito zangado e assanhado a tentar deitar as garras a um
pássaro, poisado do lado de fora da janela. Mas como estava chateado, por não
poder deitar as garras ao pássaro, mas para sorte de um e azar de outro a
janela estava fechada. O maldito vidro a servir de entrave ao apetite guloso do
Rafeiro!
O instinto do Rafeiro não
era só selvagem, mas também destruidor. Por onde passava deixava a sua marca
demolidora, móveis arranhados e ruídos, objetos partidos pelo chão, portas dos
armários e do frigorífico abertas. Todos os alimentos que encontrava eram
comidos, trincados, babados… tudo isto começou a ser um pesadelo. O Rafeiro
nunca se adaptava de forma alguma e a Mariana começou a ficar cansada. Mas uma
vez teria que se encontrar uma solução para o Rafeiro. Mas enquanto essa
solução não se encontrava o cão foi de férias com a “família” para uma aldeia
do norte. Até que a Mariana podia não gostar de estar por lá muito tempo, ao
contrário do João que adora aquele espaço. Mas para o Rafeiro aquelas férias
estavam a ser um sonho! Se falasse ter-lhe-ia chamado umas férias de luxo!
Passava as noites fora de casa, de manhã aparecia para tomar o seu
pequeno-almoço, depois de saciado voltava a sair até á hora do almoço. Após ter
almoçado dormia uma sesta, imagem onde? Na cama da Laura! Um dia a Mariana
entra no quarto, o Rafeiro ergue a cabeça e rosnou em tom ameaçador, tipo: “La
vem esta interromper o meu descanso!” A Mariana saiu e o Rafeiro mergulhou no
seu sono habitual de todas as tardes. Terminado o “merecido” descanso saia para
dar mais uma volta, até à hora do jantar. Jantava e depois seguia para mais uma
das suas noitadas. Enquanto esteve de férias nunca causou estragos, nunca
mostrou sinais de nervosismo. Apenas uma exceção, em que a porta da rua se
encontrava fechada. O Rafeiro começou a latir, olhando ora para Laura ora para
Mariana. Como nenhuma das duas lhe abria a porta, de imediato atira-se a uma
mala de viagem e começa a arranha-la furiosamente. “Laura abre aí a porta, que
o cão já está a ficar irritado.” Mal a Laura abriu a porta, ele nem olhou para
trás:“rua aqui, vou eu.”
As férias estavam a acabar,
alguém por ali podia ter dado abrigo ao Rafeiro. Ali ele não incomodava
ninguém, mas nem família nem amigos se dispuseram a ficar com o animal. Todos
tinham um argumento para não ficar com ele, apesar de terem as condições ideais
para ele.
Sendo assim o Rafeiro lá
teve de regressar à sua casa. Mas o “problema continuava por resolver. O
Rafeiro voltou aos seu maus hábitos, de destruir tudo o que lhe aparecesse pela
frente. A Mariana queria a todo o custo encontrar alguém que gostasse de
animais e que gostasse do Rafeiro em particular e sobretudo que tivesse
condições para o deixar viver em liberdade.
Depois de muito pensar a
Mariana lá se lembrou do seu antigo cunhado. O Tino é uma daquelas pessoas, que
ama mesmo os cães, ama-os mais do que ama as pessoas e o bom de tudo isto, vive
no campo, o lugar ideal para o Rafeiro.
Como a Mariana havia
previsto, o Tino acabou por aceita-lo por aceitar o Rafeiro. Desta vez não foi
necessário arranjar transporte o levar, “foi entregue em mão.”
Finalmente o Rafeiro
encontrou um “lar” ideal, num ambiente de liberdade. Mais tarde o Tino viria a
dizer: “Parece que nasceu e viveu sempre aqui.”
Quem nunca se conformou muito com a ideia de ver ir o
Rafeiro embora foi o João, que muitas vezes dizia à Mariana: “Quem deu o cão
foste tu, eu não o dei.”
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